17 março, 2012

O texto abaixo é de autoria de Carl Sagan e está em seu livro o mundo assombrado pelos demônios, transcrevo aqui este trecho porque foi exatamente assim que me senti em minha vida escolar:


"Gostaria de poder lhes contar sobre professores de ciência inspiradores nos meus tempos de escola primária e secundária. Mas, quando penso no passado, não encontro nenhum. Lembro-me da memorização automática da tabela periódica dos elementos, das alavancas e dos planos inclinados, da fotossíntese das plantas verdes, e da diferença entre antracito e carvão betuminoso. Mas não me lembro de nenhum sentimento sublime de deslumbramento, de nenhum indício de uma perspectiva evolutiva, nem de coisa alguma sobre ideias errôneas em que outrora todos acreditavam. Nos cursos de laboratório na escola secundária, havia uma resposta que devíamos obter. Ficávamos marcados, se não a conseguíamos. Não havia nenhum encorajamento para seguir nossos interesses, intuições ou erros conceituais. Nas páginas finais dos livros didáticos, havia material visivelmente interessante. O ano escolar acabava sempre antes de chegarmos até aquele ponto. Podiam-se encontrar livros maravilhosos sobre astronomia nas bibliotecas, por exemplo, mas não na sala de aula. A divisão pormenorizada era ensinada como uma receita culinária, sem nenhuma explicação sobre como essa sequência específica de pequenas divisões, multiplicações e subtrações conseguia conduzir à resposta certa. Na escola secundária, a extração da raiz quadrada era dada com reverência, como se fosse um método entregue outrora no monte Sinai. A nossa tarefa era simplesmente lembrar os mandamentos. Obtenha a resposta correta, e esqueça se você não compreende o que está fazendo. Tive um professor de álgebra muito competente, no segundo ano, com quem aprendi muita matemática; mas ele era também um valentão que gostava de fazer as meninas chorarem. Meu interesse pela ciência foi mantido durante todos esses anos escolares pela leitura de livros e revistas sobre a realidade e a ficção científicas.
A escola superior foi a realização de meus sonhos: encontrei professores que não só compreendiam a ciência, mas eram realmente capazes de explicá-la. Tive a sorte de frequentar uma das grandes instituições de ensino da época, a Universidade de Chicago. Estudava física num departamento que girava em torno de Enrico Fermi; descobri a verdadeira elegância matemática com Subrahmanyan Chandrasekhar; tive a oportunidade de falar sobre química com Harold Urey; nos verıes, fui estagiário de biologia de H. J. Muller, na Universidade de Indiana; e aprendi astronomia planetária com o único profissional que se dedicava em tempo integral a esse estudo na época, G. P. Kuiper. Foi com Kuiper que adquiri pela primeira vez uma noção do método conhecido como cálculo do verso do envelope: se lhe ocorre uma explicação possível para determinado problema, você pega um envelope velho, apena para o seu conhecimento de física básica, rabisca algumas equações aproximadas sobre o envelope, substitui as variáveis por valores numéricos prováveis, e vê se a sua resposta roça a solução do problema. Se não, tem que procurar uma solução diferente. Esse método corta as tolices assim como uma faca passa pela manteiga.
Na Universidade de Chicago, também tive a sorte de participar de um programa de educação geral planejado por Robert M. Hutchins, em que a ciência era apresentada como parte integrante da magnífica tapeçaria do conhecimento humano. Considerava-se impensável que alguém desejasse ser físico sem conhecer Platão, Aristóteles, Bach, Shakespeare, Gibbon, Malinowski e Freud - entre muitos outros. Numa aula de introdução à ciência, a visão de Ptolomeu de que o Sol gira ao redor da Terra era apresentada de forma tão convincente que alguns estudantes se flagravam reavaliando seu compromisso com a teoria de Copérnico. No currículo de Hutchins, o status dos professores não tinha quase nada a ver com a sua pesquisa; inflexivelmente - ao contrário do padrão moderno da universidade norte-americana -, os professores eram avaliados pelo seu ensino, pela sua capacidade de informar e inspirar a próxima geração. Nessa atmosfera inebriante, consegui preencher algumas das muitas lacunas na minha educação. Grande parte daquilo que era profundamente misterioso, e não apenas na ciência, tornou-se mais claro. E também testemunhei em primeira mão a alegria que sentem aqueles que têm o privilégio de revelar um pouco do funcionamento do Universo."

violinha at 12:36 PM | Comments (0)