O linchamento cibernético de Thor Batista pelo atropelamento de um ciclista impressiona. Óbvio que o acidente foi grave, claro que ele tirou a vida de uma pessoa e que este ato devasta toda a família da vítima, porém foi um acidente de trânsito a que qualquer motorista está sujeito: Thor dirigia dentro do limite de velocidade, aceitou fazer o teste do bafômetro, foi à delegacia e teve o mais delicado dos atos de que alguém que tirou a vida de outrem é capaz, conversou com a mãe e a esposa da vítima e se desculpou pelo acidente.
Se comparado ao atropelamento que resultou na morte do filho de Cissa Guimarães percebemos a diferença de atitude de ambos os rapazes: enquanto Thor não usa do dinheiro e prestígio da família para se safar, o assassino de Rafael Mascarenhas se evadiu do local do acidente, subornou a polícia para não ser preso e ainda tentou arrumar o carro antes da perícia. Ou seja, são dois atropelamentos, com vítimas fatais, mas as semelhanças terminam aí: o filho do dono da 7.ª maior fortuna do planeta segundo a Forbes responde ao processo dentro da lei, o outro tentou de tudo para não responder pelo que fez. Então só resta creditar todo esta raiva a Thor Batista ao ódio que o brasileiro tem quem tem dinheiro, resquício de nossa herança de casa grande e senzala, aqui o grosso da população não ambiciona ou luta para ficar rico, apenas tenta a sorte na loteria e amaldiçoam os ricos. Porém, diga-se, os ricos têm sua parcela de culpa neste sentimento que remonta ao século XIX. Os ricos brasileiros se consideram uma elite abençoada por D'us, eleitos pelo Próprio para ter dinheiro. Eles não sentem que tem uma débito para com a sociedade que os deixou e os mantém abastados, ao contrário dos ricos de tantos outros países. Enquanto que na Europa ou EUA, os milionários que não fazem obras sociais são minoria, aqui é o contrário, contam-se nos dedos os que dedicam seu tempo ou dinheiro para ajudar os desfavorecidos. O resultado desta intolerância mútua é o linchamento moral de um rapaz que, por azar, atropelou um jovem que faz o que todo brasileiro, rico ou pobre, faz: atravessar onde não pode.
Demorei para me render a
the walking dead, talvez por resistir à mania de zumbis que veio substituir a onda de vampiros, mas a verdade é que gosto da série, que perpassa muito mais por questões morais e éticas do que apenas por cenas de terror de mortos-vivos cambaleantes e maltrapilhos correndo atrás das personagens.
The walking dead, assim como ensaio sobre a cegueira e contágio tratam dos momentos caóticos quando da ruptura da sociedade que conhecemos, debatem a manutenção de nossa humanidade num momento em que o mundo que conhecemos já não existe mais. Interessante notar que só conseguem conceber esta discussão quando se trata de uma doença que se espalha, quando outros fatores como uma longa estiagem ou uma queda de meteoros poderiam ser o gatilho de uma situação semelhante.